
Este meio ambiente, onde a vida real, os sonhos, os mistérios e a espiritualidade misturam-se ao lugar, tem moldado ao longo dos séculos o povo Tuaregue, também chamado de Molâthemin (Povo dos véus), um povo que diferentemente de outras nações do Oriente Médio, não obriga as mulheres a cobrirem o rosto, mas sim os homens, para evitar que os maus espíritos apoderem-se deles, entrando pela boca e pelo nariz.
Na cultura Tuaregue, os chefes de cada grupo sempre foram mulheres, pois são elas que tem o dom da intuição e o poder de falar com os espíritos da natureza.
Para os Tuaregues, o conceito de masculinidade media-se pelo comportamento rude de um guerreiro, ele não poderia ser sensível, muito menos expressar os seus sentimentos.
Há tempos atrás, no Vale de Tidene, nasceu Aziz, filho da Amenokal (suprema chefe) Tin Hinan e sua chegada foi saudada com honrarias por todos os componentes da tribo e desde bebe, foi entregue ao mais bravo dos guerreiros para ser treinado.
O tempo não para, os dias e noites tornam-se pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.
Aziz cresceu… Já era quase adulto e de vez em quando, fechava os olhos e vivia o ontem, correndo com o seu pai num cavalo alasão e ele segurando-o firme pela cintura, enquanto Aziz abria os braços e parecia estar a voar, como se os Deuses tivessem de repente, dado-lhe esse poder...
Viver o Ontem, era algo que ele gostava de fazer de vez em quando, algo que trazia-lhe paz e esperança de que um dia tudo pudesse mudar na sua vida, que ele realmente pudesse ser livre para ser ele mesmo, sem nunca fingir.
Tin Hinan sua mãe, ordenou ao seu melhor guerreiro a ensinar Aziz desde pequeno o que era ser homem na sua nação, mas para isto ele teve que aprender a lutar e matar o seu semelhante, mas bem no fundo do seu coração, Aziz nunca aceitou esta imposição.
O tempo como sempre, não para, os dias e noites tornam-se pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.
Ele tornou-se um adulto, cada vez mais belo, tanto que muitos de sua tribo, diziam ao pé da orelha uns dos outros, que ele não tinha feições masculinas, nunca seria um guerreiro, seria a vergonha de sua nação...
Os homens geralmente cobriam o rosto com o véu, quando chegavam à idade adulta numa cerimónia de iniciação. Finalmente, chegou a vez de Aziz usar o seu, mas algo estranho aconteceu...

Tin Hinam colocou o véu em Aziz cobrindo-lhe a face e levou-o para fora da tenda, para que todos pudessem ver que o seu filho já era um adulto, que já poderia atravessar com as caravanas, o imenso deserto do Sahara.
Quando eles apareceram na saída da tenda, não houve, homem, mulher ou criança que não levasse as mãos à boca em sinal de espanto, pois a expressão dos seus olhos, a única coisa plenamente visível agora, era de um anjo, não de um guerreiro bravo e feroz.
Até então Tin Hinan não tinha prestado atenção no seu filho, pois o posto de chefe suprema da tribo, ocupava-lhe todo o tempo e agora, diante daqueles olhos ela sentiu-se pequena, foi como se de um momento para o outro, ela tivesse descoberto que havia na vida de um homem, muito mais do que simples coragem e bravura, que havia também sentimentos...
Após alguns momentos de silêncio, a sua mãe anunciou à tribo que seu filho iria daquele dia em diante fazer parte do grupo que vigiava o acampamento à noite e não houve quem não aclamasse Aziz pela grande honra que estava a receber.
Porém, dentro de Aziz havia um vazio enorme, havia uma dor imensa que o atormentava a cada momento, pois usar o véu para cobrir o rosto era sinal de que estava destinado a reprimir seus sentimentos...
E o tempo passou-se, os dias e noites tornaram-se pássaros, juntaram-se em bandos, voaram para longe e não voltaram mais.
Dia após dia, Aziz ficava cada vez mais triste e a expressão que havia nos seus olhos, incomodava a todos os seus companheiros e era tanto o incomodo causado, que eles resolveram afastar-se dele, pois achavam que ele era uma ameaça à reputação masculina de todos os homens da tribo.Aziz viu-se só, numa noite silenciosa, deitado sobre uma pedra, no topo da montanha a olhar para o céu e as estrelas, que magicamente, estavam iluminados por uma Lua, que parecia preencher todo o firmamento.
A sua voz estava silenciosa, mas o seu coração gritava, ele queria que os Deuses lhe mostrassem o caminho a seguir, o caminho da salvação, pois para Aziz, aquilo não era vida, era uma prisão onde ele estava a ser reprimido e oprimido ao mesmo tempo, tendo o seu direito de ser negado por toda a sua gente, inclusive por aquela, a quem ele tanto amava, sua mãe Tin Hinan.
Ele fechou os olhos por alguns instantes para tentar ouvir o som do silêncio que o rodeava e foi então que ele ouviu uma voz firme e suave ao mesmo tempo, dizendo ao pé do seu ouvido...
“Aziz, lembre-se de que o que faz do deserto um lugar mágico é que nele, em algum lugar, há sempre um poço de água escondido, de onde se pode beber a essência da vida.”
“Você é um poço escondido no deserto de amor que é seu povo, um poço de onde um dia, eles beberão a sabedoria de que o amor tem mais força do que a guerra e de que a vida, é o maior bem que existe neste mundo...”
“Eles aprenderão que é preciso viver e deixar viver...”
Aziz levantou-se, o seu coração batia calmo e compassado enquanto caminhava em direcção à sua aldeia e no seu caminho foi iluminado a cada passo pela luz divina que sempre o acompanhou, a diferença foi que daquele instante em diante ele compreendeu a importância de ser ele mesmo, de demonstrar todos seus sentimentos.

Como sempre, o tempo não para, os dias e noites transformam-se em pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.
O povo da sua aldeia, desde a manhã daquele dia que ficou para trás a muito e muito tempo, passou a ver Aziz com outros olhos, não estranharam a ausência do véu no seu rosto, apenas viam o seu sorriso, puro, sem maldade, viam nele, o que havia escondido dentro deles mesmos, a necessidade de viver em paz e aceitar as diferenças entre os seus semelhantes.
É certo que o tempo não para, os dias e noites transformam-se em pássaros, juntam-se em bandos, voam para longe e não voltam mais.
As mulheres Tuaregues continuam a ser as lideres dos seus grupos, mas no Vale de Tidene, os homens de hoje, mesmo ainda usando os seus véus, vivem em paz consigo mesmos, sabem apreciar a paz e beleza de uma flor quando milagrosamente, a encontram pousada sobre uma pedra pontiaguda e afiada, à beira de um poço de areias movediças, no meio do deserto infinito, do ódio e do rancor...
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